segunda-feira, 31 de março de 2008

Mulher


A coisa não é bem essa.
Não há nenhuma razão no mundo
(ou talvez só tu, Tristeza!)
Para eu estar andando nesse meio-dia por essa rua estrangeira com o nome de um pintor estrangeiro.
Eu devia estar andando numa rua chamada
Travessa Di Cavalcanti
No Alto da Tijuca, ou melhor na Gávea,
ou melhor ainda, no lado de dentro de Ipanema:
E não vai nisso nenhum verde-amarelismo.
De verde quereria apenas um colo de morro
e de amarelo um pé de acácias
repontando de um quintal entre telhados.
Deveria vir de algum lugar
Um dedilhar de menina estudando piano
ou o assovio de um ciclista
Trauteando um samba de Antônio Maria.
Deveria haver um silêncio pungente
cortado apenas por um canto de cigarra, bruscamente interrompido
E o ruído de um ônibus varando como um desvairado uma preferencial vizinha.
Deveria súbito fazer-se ouvir num apartamento térreo próximo
Uma fresca descarga de latrina abrindo um frio vórtice na espessura irremediável do mormaço
Enquanto ao longe o vulto de uma banhista (que tristeza sem fim voltar da praia!)
Atravessaria lentamente a rua arrastando um guarda-sol vermelho.
Ah, que vontade de chorar me subiria!
Que vontade de morrer, de me diluir em lágrimas
Entre uns seios suados de mulher!

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